Nossos Ossos

Nossos Ossos é o primeiro romance de Marcelino Freire. Mas se engana quem pensa que a narrativa de Heleno, o herói da história, é pura prosa. Marcelino empreende uma verdadeira tessitura de palavras que vão rimando. O ritmo da leitura vai ganhando pausas, virgulas vocativas, vírgulas explicativas como que criando um repente, uma epopeia.

Tanto que por várias vezes eu vi em Heleno como Ulisses de Homero; ou como um retirante nordestino que viveu e sucedeu na grande Selva de Pedras e que depois de sua missão cumprida, retorna para sua terra natal para requerer sua paz.

Como os personagens da epopeia, Heleno se taca para São Paulo não apenas pelas oportunidades, de vencer como grande dramaturgo, mas na esperança de encontrar Carlos, seu grande amor. Na cidade grande, Heleno não encontra Carlos, tendo que criar seus novos referenciais. Sozinho, redesenha sua trajetória através dos corpos dos michês. A solidão é aplaca pela companhia comprada, Cícero, também nordestino. E se aproximam pela memória afetiva do sotaque pernambucano. Mas Carlos não sai das visões em cartazes, espelhos dos arranha-céus, da multidão da grande São Paulo.

E como retirante o subemprego é a primeira entrada no mercado de trabalho. A força de vontade, as habilidades de Heleno como revisor e a dramaturgia começara a lhe dar frutos. Mas ainda, se perde nos michês, nos abraços comprados. A idade também é mais umas das tarefas hercúleas de Heleno para enfrentar.

Mas o boy, Cícero, é assassinado enquanto trabalhava nas ruas de São Paulo. Heleno tem um coração enternecido e assume o compromisso de dar um enterro digno ao conterrâneo amado. Obrigando-se a levar o corpo de volta a Pernambuco. E aqui a narrativa entra numa parte dolorosa para Heleno que começava a repassar o filme de sua vida em sua mente. A possibilidade de retorno a terra natal é mais do que uma missão altruísta, é uma rendição de seus pecados.

Há uma simbologia nos ossos que Heleno e o irmãos desenterravam no quintal da pequena Sertânia. Os pequenos fosseis, os ossos humanos eram desenterrados como uma forma de redescobrir o valor do mortos, de suas histórias. As partes que compõem o livro vão dissecando o corpo humano como se fossem desvendando a importância dos componentes do todo. Não é macabro, é um jogo de quebra-cabeças existencial; nos destrinchamos para depois no recompor. E é assim que a prosa-poesia de Marcelino vai nos surpreendendo como a intensidade do bate e rebate entre repentes.

Temos então, ao final da jornada de Heleno, a epifania a que todos os artistas são acometidos. O escape para o absurdo, segundo Camus, seria o suicídio. E ao grande dramaturgo antes das cortinas se fecharem a tragédia deve ser encenada. Heleno cumpre sua epopeia e entre os ossos que tanto lhe deram o lúdico, ganhando o significado etéreo de uma grande ovação. “Cai o pano.”

Surpreendente e fabuloso!

Roberto Muniz Dias é romancista, contista, poeta, artista plástico e mestre em Literatura pela UNB (Universidade de Brasília). Os textos desse escritor piauiense, de Teresina, são intensos, dramáticos e cheios de vaivens atemporais. De uma tal profundidade de sentimentos que arrebatam o leitor já nas primeiras linhas.

Também formado em Direito, integra a Comissão de Tolerância e Diversidade Sexual da 93ª Subseção de Pinheiros da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional São Paulo. Foi premiado pela Fundação Monsenhor Chaves com menção honrosa pela obra “Adeus Aleto”. Publicou ainda “Um Buquê Improvisado”, “O Príncipe – O Mocinho ou o Herói podem ser Gays” e recentemente lançou seu livro de contos: Errorragia: contos, crônicas e inseguranças.

Sobre Roberto Muniz Dias

Roberto Muniz Dias é piauiense radicado em Brasília há 10 anos, é romancista, contista, poeta, artista plástico e mestre em Literatura pela UNB (Universidade de Brasília). Também formado em Direito, integra a Comissão de Tolerância e Diversidade Sexual da 93a Subseção de Pinheiros da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional São Paulo. Foi premiado pela Fundação Monsenhor Chaves com menção honrosa pela obra “Adeus Aleto”. Publicou ainda “Um Buquê Improvisado”, “O Príncipe - O Mocinho ou o Herói podem ser Gays”; Errorragia: contos, crônicas e inseguranças; Urânios; A teia de Germano; Uma cama quebrada (peça de teatro); Trilogia do desejo (coletânea de romances) e recentemente foi premiado pela FCP (Fundação cultural do Pará com o texto teatral AS DIVINAS MÃOS DE ADAM) como melhor texto teatral. Lançou recentemente o livro EXPERIENTIA, coletânea de suas primeiras peças de teatro. www.robertomunizdias.com
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